O tributarista Leonardo Manzan comenta que a discussão sobre a retroatividade na cobrança de tributos voltou à tona com a recente reforma tributária. O tema, embora antigo no Direito brasileiro, ganha novos contornos em razão das mudanças no sistema normativo e da reinterpretação de regras por autoridades fiscais após a promulgação de normas estruturais.
A Constituição Federal de 1988 veda expressamente a cobrança de tributos com efeito retroativo, exceto em hipóteses muito específicas, como em casos de decisões do Supremo Tribunal Federal que declarem a constitucionalidade de uma exação. No entanto, essa limitação tem sido tensionada em contextos nos quais o Fisco busca reclassificar fatos geradores passados à luz de entendimentos mais recentes.
Reforma tributária e os riscos de interpretações retroativas
A entrada em vigor de novos tributos, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), traz consigo uma série de regramentos complementares que ainda serão definidos por lei ordinária. Esse cenário de transição abre espaço para dúvidas sobre o tratamento de operações anteriores à mudança, especialmente quanto à sua eventual reinterpretação.
Leonardo Manzan ressalta que também há risco de que fiscalizações futuras apliquem entendimentos novos a períodos anteriores, o que, na prática, pode configurar cobrança retroativa. Embora essa prática contrarie a segurança jurídica, sua ocorrência não é incomum. O contribuinte, nessas situações, acaba sujeito a autuações baseadas em normas interpretadas sob uma ótica posterior ao fato gerador.
Princípio da anterioridade: ainda eficaz em tempos de reforma?
De acordo com Leonardo Manzan, o princípio da anterioridade, tanto anual quanto nonagesimal, é um dos pilares da proteção do contribuinte no Brasil. Ele impede que tributos sejam cobrados imediatamente após a publicação da norma que os institui ou majora. Contudo, nem sempre esse princípio tem sido interpretado de forma uniforme pelos tribunais.

A reforma tributária traz novos tributos e regras de apuração, mas é essencial que a aplicação dessas normas respeite o tempo de adaptação dos contribuintes. Qualquer tentativa de cobrar tributos com base em entendimentos que retroajam a fatos consumados contraria o núcleo duro do Direito Tributário. A estabilidade e previsibilidade da norma são fundamentais para manter a legitimidade do sistema.
Posicionamento dos tribunais superiores e jurisprudência recente
Os tribunais superiores têm reforçado o caráter protetivo do princípio da não retroatividade. O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, reconheceu que a surpresa fiscal é vedada e que o contribuinte deve ter clareza sobre o regime jurídico aplicável no momento da ocorrência do fato gerador. Ainda assim, decisões pontuais têm admitido exceções que exigem análise detalhada.
Leonardo Manzan frisa que o papel da jurisprudência será ainda mais relevante nesse período de transição. Os tribunais precisarão uniformizar o entendimento sobre a aplicação temporal das novas regras para evitar a multiplicação de litígios. A clareza sobre os efeitos das alterações legislativas será decisiva para proteger tanto os contribuintes quanto a integridade do sistema tributário.
Como se proteger de cobranças retroativas: planejamento e vigilância jurídica contínua
A melhor forma de evitar surpresas tributárias é manter um acompanhamento técnico próximo da legislação, da jurisprudência e das práticas fiscais adotadas pelos entes arrecadatórios. Empresas devem revisar seus planejamentos tributários e garantir que suas operações estejam adequadamente documentadas para resistir a eventuais reinterpretações futuras.
Segundo Leonardo Manzan, a atuação preventiva dos departamentos jurídicos e contábeis torna-se essencial diante de um cenário marcado por mudanças intensas e por disputas sobre o alcance das normas. A adoção de pareceres jurídicos, auditorias fiscais internas e monitoramento das decisões administrativas e judiciais são ferramentas estratégicas para enfrentar o risco da cobrança retroativa de tributos no novo ambiente tributário brasileiro.
Autor: Ivern Moral